Cascais e Oeiras apostam em relançar o vinho de Carcavelos
O Lisbon wine, como era conhecido no século XIX, vai ter uma confraria destinada a apoiar a produção e o surgimento de uma nova marca.
Um Porto de honra pode ser substituído por um Carcavelos de honra? Pelo menos em Cascais e Oeiras já se troca o tradicional néctar do Douro pelo afamado vinho generoso produzido nos dois municípios da região de Lisboa. A proposta de criação da Confraria do Vinho de Carcavelos poderá aproximar dois concelhos que têm andado de costas voltadas e alargar o mercado para preservar um património comum.
A Câmara de Oeiras aprovou recentemente a criação da Confraria do Vinho de Carcavelos. A iniciativa insere-se no âmbito da colaboração da autarquia com a ex-Estação Agronómica Nacional (actual L-INIA/Instituto Nacional de Investigação Agrária), que resultou na plantação de uma nova vinha e produção de vinho na adega da Quinta do Marquês.
A fama do vinho de Carcavelos perde-se no tempo, mas deve-se ao marquês de Pombal (1699-1782) o incremento da produção na sua quinta de Oeiras, cujas qualidades vitivinícolas foram reconhecidas e demarcadas em 1907. O Carcavelos, conhecido no mercado inglês do século XIX como Lisbon wine, chegou a ser misturado com o vinho do Porto, para lhe dar mais "corpo", paladar e cor. O declínio registou-se com o oídio (1852) e a filoxera (1876), mas a moléstia mais devastadora resultou da pressão imobiliária, a partir de meados do século passado, quando o betão ocupou as antigas quintas dos concelhos de Cascais e Oeiras.
Só em 1984, como notam J. Brazão, J. Eiras-Dias e Luís Carneiro, em O Encepamento da região vitinícola de Carcavelos (2005), "renasce o interesse pela produção deste famoso vinho, que corria o risco de desaparecer por completo, com o surgimento de quatro novas vinhas nas quintas do Marquês, dos Pesos, da Ribeira e da Samarra". Estes especialistas das estações vitinícola e agronómica nacionais contabilizaram então a superfície vitícola da região de Carcavelos em 18,3 hectares, repartidos por aquelas quatro propriedades e pela Quinta do Mosteiro de N.ª Senhora do Mar. Isto apesar de só três produzirem vinho de denominação de origem controlada.
Carta de vinhos da regiãoA futura Confraria do Vinho de Carcavelos pretende assumir, segundo a proposta aprovada, "a promoção, comercialização e valorização deste vinho licoroso, produzido na região demarcada, preservando a sua autenticidade e património histórico e paisagístico associado". O presidente da autarquia, Isaltino Morais, manifestou na sessão camarária o propósito de convidar Cascais para integrar a confraria. É que, se na Quinta do Marquês se têm realizado os principais investimentos públicos, no concelho vizinho localizam-se os principais produtores privados.
"Nos eventos em Oeiras já servimos o vinho de Carcavelos. É uma prática que devia ser extensiva a toda a região de Lisboa, porque não faz sentido que seja feito com vinho do Porto", afirmou o vereador do Turismo, Carlos Oliveira, para quem a promoção do vinho da região deve ser uma prioridade, não só pela preservação do património local, como também pela sua valorização turística.
Uma fonte do L-INIA sublinha, aliás, que a região vitivinícola de Bucelas, Carcavelos e Colares possui características singulares por incluir vinhos que se complementam - o branco (arinto), o tinto (ramisco) e o licoroso (entre outras, galego, castelão e negra-mole).
O presidente da Câmara de Cascais, António Capucho, mostra-se disponível para participar numa "abordagem conjunta a um dos traços característicos que une os dois concelhos". E, em relação à região vitivinícola, defende a criação, por exemplo, de "uma carta de vinhos para cerimónias oficiais, onde o leque Bucelas, Colares e Carcavelos seja contemplado".
408 hectolitros de vinho de Carcavelos foram produzidos em 2004, o valor mais elevado dos anteriores nove anos